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O conceito de Paisagem em Milton Santos

O conceito de Paisagem em Milton Santos em: "Metamorfoses do Espaço Habitado.


Todos os espaços são geográficos porque determinados pelo movimento da sociedade, da produção. Mas tanto a paisagem como espaço, resultam de movimentos superficiais e de fundo da sociedade, uma realidade de funcionamento unitário, um mosaico de relações, de formas, funções e sentidos.

PAISAGEM, O QUE É
Tudo o que nós vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. É formada não apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons, etc.

PERCEPÇÃO E CONHECIMENTO
Nossa visão depende da localização em que se está, se no chão, em um andar baixo ou alto de um edifício, num miradouro estratégico, num avião... A paisagem toma escalas diferentes e assoma diversamente aos nossos olhos, segundo o lugar onde estejamos, ampliando-se quanto mais se sobe em altura, porque desse modo desaparecem ou atenuam-se os obstáculos à visão e o horizonte vislumbrando não se rompe.

A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos sentidos. Por isso o aparelho cognitivo tem importância crucial nessa apreensão, pelo fato de que toda nossa educação, formal ou informal, é feita de forma seletiva – pessoas diferentes apresentam diversas versões do mesmo fato. Por exemplo, coisas que um arquiteto e um artista veem, outros não podem ver ou fazem de maneira distinta. Isso também para profissionais com diferente formação e para o homem comum.

Apercepção é sempre um processo seletivo de apreensão. Se a realidade é apenas uma, cada pessoa a vê de forma diferente; desse modo, a visão- pelo homem- das coisas materiais é sempre deformada.

OS OBJETOS CULTURAIS
À medida em que o homem se defronta com a natureza, há entre os dois uma relação cultural, que é também política, técnica etc. É a marca do homem sobre a natureza, chamada de socialização, por Marx.
Dessa maneira, com a produção humana há a produção do espaço. A produção do espaço é resultado da ação dos homens agindo sobre o próprio espaço por meio dos objetos, naturais e artificiais. Cada tipo de paisagem é a reprodução de níveis diferentes de foras produtivas, materiais e imateriais, pois, o conhecimento também faz parte do rol das forças produtivas.

PAISAGEM NATURAL, PAISAGEM ARTIFICIAL
A paisagem artificial é a paisagem transformada pelo homem; já, grosseiramente, podemos dizer que a paisagem natural é aquela que ainda não foi mudada pelo esforço humano. Se no passado havia paisagem natural, hoje, essa modalidade de paisagem praticamente já não existe. Se um lugar não é fisicamente tocado pela força do homem, ele é, todavia, objeto de preocupações e de intensões econômicas ou políticas. Tudo hoje situa no campo de interesse da história, sendo, desse modo, social.

A paisagem é um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais; é formada por frações de ambas, seja quanto ao tamanho, volume, cor, utilidade, ou por qualquer outro critério. A paisagem é sempre heterogênea. Quanto mais complexa a vida social, tanto mais nos distanciamos de um mundo natural e nos endereçamos a um mundo artificial.

Há uma relação entre os instrumentos de trabalho (objetos dos mais diversos tamanhos), que o homem cria para poder produzir) e a paisagem. Estradas, edifícios, pontes, portos, depósitos etc. são acréscimos à natureza, sem os quais a produção é impossível. A cidade é o melhor exemplo dessas adições ao natural.

PAISAGEM E TRANSFORMAÇÕES
Em cada momento histórico, os modos de fazer são diferentes, o trabalho humano vai se tornando cada vez mais complexo, exigindo mudanças correspondentes às inovações. Por meio das novas técnicas, vemos a substituição de uma forma de trabalho por outra, de uma configuração territorial, por outra.
A paisagem não é dada para todo o sempre, é objeto de mudança. É um resultado de adições e subtrações sucessivas. É uma espécie de marca da história do trabalho, das técnicas. Por isso, ela própria é parcialmente trabalho morto, porque formada por elementos naturais e artificiais.

Os objetos são passíveis, de uma datação, têm idades. Pela datação dos objetos de uma paisagem, deveríamos poder reconhecer a sua idade. A paisagem tem o movimento que pode ser mais ou menos rápido. As formas não nascem apenas das possibilidades técnicas de uma época; dependem também das condições econômicas, políticas, culturais e etc. A técnica tem um papel importante, mas não tem existência história fora das relações sociais. A paisagem deve ser pensada paralelamente às condições políticas, econômicas e também culturais.

Como já dito, a paisagem está sujeita a mudanças constantes e contínuas, essas mudanças são chamadas de mudanças/alterações estruturais e funcionais.
Ex. Mudança funcional: Ao passarmos por uma avenida, rua, praça, bairro, esses locais funcionam de modo diferente de acordo com o horário do dia, do dia da semana, do feriado e etc.. Nesta mudança estrutural repare que a sociedade não mudou, permanece a mesma, mas se dá de acordo com ritmos distintos, segundo os lugares cada ritmo correspondendo a uma aparência, uma forma de parecer.

Ex. Mudança estrutural: este tipo de mudanças se dá pela alteração das formas. Quando se constroem prédios de quarentena, em vinte ou trinta andares, quando locais antigos são desativados e/ou demolidos, quando lugares de formas antigas passam por uma reforma e o local passa a ter outro tipo de função, ou seja, alterações de velhas formas para adequação às novas funções. Há uma relação entre as formas da paisagem e o período econômico e político.


                      
 Fotografias Antiga Estação Ferroviária de Ibiporã- PR, atual Museu do Café. 

A paisagem é um palimpsesto, um mosaico, mas que tem funcionamento unitário. Pode conter formas viúvas e formas virgens. As primeiras estão à espera de uma revitalização, reutilização, que pode até acontecer; as segundas são adrede criadas para novas funções, para receber inovações. 






Org. Texto publicado anteriormente no Blog Ibiporã em Paisagem.Texto síntese: Fernanda E. Mattos, autora e colunista do Blog Um quê de Crítica na Geografia. Referência: SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. 6ªed. São Paulo: EDUSP, 2012.





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